terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O AMIBIENTE RELIGIOSO DO NOVO TESTAMENTO


Por Robert H. Gundry



Perguntas normativas:

- Quais eram as crenças e práticas religiosas – esotéricas, mitológicas, supersticiosas, filosóficas – entre os pagãos, no período greco-romano?
- Como se desenvolveram as instituições e as crenças judaicas do Antigo Testamento para os tempos do Novo Testamento?
- De que modo se combinaram o meio ambiente pagão e o meio ambiente religioso dos judeus, em contribuição para o nascimento do cristianismo?

O PAGANISMO

  O deus supremo do panteão grego hierarquia de divindades era Zeus, filho de Cronos. Cronos, que arrebatara o governo do mundo das mãos de seu pai, Urano, canibal que era, devorava os seus próprios filhos conforme iam nascendo. Todavia, a mãe Zeus salvou ao seu infante ao entregar a Cronos uma pedra envolta em cobertores infantis, para que a engolisse. Ao atingir a idade adulta, Zeus derrubou seu pai e dividiu os domínios daquele com seus dois irmão, Poseidom, que passou a governar os mares, e Hades, que se tornou senhor do mundo inferior. O próprio Zeus pôs-se a governar os céus. Os deuses tinham acesso à terra, vindo de sua capital, o monte Olimpo, na Grécia.
  De acordo com a mitologia, Zeus era forçado a abafar ocasionais rebeliões da parte dos deuses, os quais exibiam pendores perfeitamente humanos de paixões e concupiscência, de amor e ciúmes, de ira e ódio. De fato, os deuses seriam superiores aos homens somente quanto ao poder, à inteligência e à imortalidade – mas por certo não quanto à moralidade. Um deus extremamente popular era Apolo, filho de Zeus, inspirador de poetas, videntes e profetas, e que também realizava numerosas outras funções. Em Delfos, na Grécia, um templo dedicado a Apolo fora erigido por cima de uma caverna, de onde se emanavam vapores, que o vulgo julgava ser o hálito de Apolo. Uma sacerdotisa, assentada sobre um tripé, acima da abertura, inalava os vapores e, em estado de transe, murmurava palavras que eram registradas e interpretadas de modo muito vago pelos sacerdotes, em respostas aos  adoradores inquiridores.
  A religião oficial de Roma adotou grande parte do panteão e da mitologia grega.As divindades romanas vieram a ser identificadas como os deuses gregos (Júpiter com Zeus, Vênus com Afrodite, e assim por diante). Os romanos também adicionaram certas características, como a de um sacerdócio sobre o qual o próprio imperador atuava como pontifex maximus (sumo sacerdote). As características perfeitamente humanas de tais deuses destruíram a fé de muitas pessoas no panteão greco-romano. Quanto a outras pessoas, entretanto, tal fé persistiu por todo o período do Novo Testamento.
  Seguindo a pratica desde há muito firmada de atribuir atributos divinos aos governantes, o senado romano lançou a idéia do culto ao imperador, ao deificar, após a morte, a Augusto e a subseqüentes imperadores que porventura tivessem servido bem como tais. Elementos leais e entusiastas das províncias orientais algumas vzes antecipavam essa deificação pós-morte. Os imperadores do primeiro século que reivindicaram a divindade para si mesmos, enquanto ainda viviam – Calígula, Nero e Domiciano -  não foram com tal distinção ao morrerem. O insano Calígula (37 – 41 D.C) ordenara que uma estátua sua fosse levantada no templo de Jerusalém, a fim de ser adorada. Afortunadamente, tal medida foi adiada pelo mais sensato embaixador sírio, porquanto os judeus sem dúvida ter-si-am revoltado. Nesse ínterim, Calígula foi assassinado. Domiciano ( 81 – 96 D.C) foi o primeiro a tomar providências sérias e generalizadas para forçar a adoração de sua pessoa. A recusa dos cristãos de participarem do que passou a ser tido como um dever patriótico, como uma medida tendente a unificar o preito de lealdade ao imperador, como uma divindade, provocou uma perseguição que foi acrescendo de intensidade.
  Muito se tem escrito sobre a larga popularidade e influência das religiões misteriosas dos gregos, egipcios e povos orientais sobre o primeiro século cristão – os cultos de Eleusis, Mitra, Isis, Dionísio, Cibele e inúmeros cultos locais. Prometendo purificação e a imortalidade do individuo, frequentemente esses cultos giravam em torno de mitos sobre uma deusa cujo amante ou filho fora arrebatado dela, usualmente através da morte, para ser subsequentemente restaurado. Esses mistérios também envolviam ritos secretos de iniciação e outras cerimônias, como lavagens cerimoniais, aspersão de sangue, refeições sacramentais, intoxicação alcoólica, frenesi emocional e um impressionante fausto, por meio dos quais os devotos entrariam em união mística com os deuses. A igualdade social no seio desses cultos misteriosos contribuía para a atração que exerciam. Em anos mais recentes, contudo, tem-se percebido de maneira crescente que a ausência mui provavelmente significa que não desempenham um papel dos mais importantes nos estudos sobre o Novo Testamento.
  È somente já nos séculos II, III e IV da era cristã que chegamos a obter informações detalhadas a respeito das crenças defendidas pelos devotos desses mistérios. Assim sendo, apesar de ser indubitável a existência das religiões misteriosas antes do cristianismo, suas crenças pré-cristãs nos são desconhecidas. Onde as suas crenças posteriores se tornaram um tanto paralelas às crenças cristãs (aliás, esse paralelismo com freqüência tem sido exagerado), o mais provável é que as religiões misteriosas é que tenham tomado por empréstimo certas idéias do cristianismo, e não vice-versa, mormente se levarmos em conta que os pagãos eram notáveis assimiladores (ver abaixo acerca do sincretismo), ao passo que os primitivos cristãos eram exclusivistas.Não obstante, os paralelos geralmente são mais aparentes do que reais, e mesmo quando são reais, isso não implica necessariamente em que tenham havido empréstimos de uma coisa para outra.
  Por exemplo, os mitos sobre deuses que morriam e ressuscitavam não correspondiam verdadeiramente às narrativas do Novo Testamento sobre a morte e ressurreição de Jesus. Em primeiro lugar, as mortes de tais divindades não tinham cunhado redentor. Outrossim, a história da morte e ressurreição de Jesus está vinculada a um bem recente personagem histórico, ao passo que os mitos usualmente tinham a ver com personificações nada tinham a ver com o plano da história, e muito menos com a história recente. Finalmente, ressuscitavam de modo plenamente corpóreo, mas ressuscitavam apenas em parte, ou meramente reviviam no mundo inferior. Quando as catorze  porções constituintes do corpo de Osíris foram reunidas, ele se tornou o rei dos mortos no mundo inferior. Tudo quanto Cibele pôde conseguir acerca do corpo de Átis, é que este não entraria em decomposição, que seus cabelos continuariam a crescer e que seu dedo mínimo se moveria – e no entanto, a historia de Cibele e Átis ( que teria morrido por haver castrado a si mesmo) é algumas vezes citada como um paralelo e como uma fonte originadora da narrativa sobre a morte e a ressurreição de Jesus, da parte daqueles que, por negligência, não examinam os pormenores de tal mito. A bem da verdade, as próprias idéias de morte por crucificação e de ressurreição física abomináveis aos povos antigos, os quis sabiam que a crucificação estava reservada aos criminosos e que concebiam o corpo como uma prisão da alma e como sede do mal. Se houvessem os cristãos tomado os seus conceitos por empréstimos das religiões misteriosas, bem poderíamos indagar por qual motivo os pagãos consideravam, de modo geral, o evangelho cristão, como algo tolo, incrível e somente digno de perseguição.¹ 
  As superstições estavam firmemente entrincheiradas nas mentes da maioria do povo do império romano. O emprego de formulas mágicas, consultas de horóscopos e oráculos, augúrios ou predições sobre o futuro, mediante a observação do vôo dos pássaros, os movimentos do azeite sobre a água, as circunvoluções do fígado e o uso de exorcistas profissionais (peritos na arte de expulsar demônios) – todas essas praticas supersticiosas, além de muitas outras, faziam parte integrante da vida diária. Os judeus eram numerados entre os exorcistas mais avidamente procurados, em parte porque julgava-se que somente eles eram capazes de pronunciar corretamente o nome magicamente potente de Yahweh ( nome hebraico traduzido por “Senhor”). A pronuncia correta, juntamente com a idéia de algo secreto, segundo se pensava, seria necessária para a eficácia de qualquer encantamento. Na pratica apodada de sincretismo, o povo comum simplesmente fazia a mescla de diversas crenças religiosas com praticas supersticiosas. As prateleiras para ídolos, existentes nas residências, eram atulhadas de imagens de aves, cães, crocodilos, bezouros e outras criaturas.
  O contraste dualista concebido por Platão entre o mundo invisível das idéias e o mundo visível da matéria, formava o substrato do gnosticismo do primeiro século de nossa era, e segundo o qual a matéria era equiparada ao mal, ao passo que o espírito seria equivalente ao bem. Daí resultavam dois modos opostos de conduta: (1) a supressão dos desejos do corpo, devido à sua conexão com a matéria ma (ascetismo) e (2) a indulgencia quanto às paixões físicas, por causa da irrealidade e inconseqüência da matéria ( libertinagem ou sensualidade). Em ambos esses casos as noções religiosas orientais haviam corrompido as idéias originais de Platão. O conceito da ressurreição física era abominável, devido ao fato da matéria ser tida por inerentemente má. Todavia, a imortalidade do espírito seria desejável, podendo-se  chegar a ela por meio do conhecimento de doutrinas secretas e de senhas, através das quais coisas a alma, por ocasião da morte, conseguiria escapar da vigilância de guardiões demoníacos dos planetas e das estrelas, em seu vôo da terra para o céu. Segundo esse ponto de vista, o problema religioso não consistia muito mais da ignorância humana, para a qual era mister prover conhecimento. De fato, o vocábulo gnosticismo vem de gnosis, termo grego que significa conhecimento. A fim de assegurar-se a pureza do Deus supremo, era este separado do universo material, e, portanto mau, mediante uma serie de seres progressivamente menos divinos, chamados “aeons”, que se teriam emanado dele. Dessa forma, uma elaborada angelologia se desenvolveu paralelamente à demonologia.
  As idéias gnósticas parecem ocultar-se por detrás de determinadas heresias que são atacadas no Novo Testamento. Porém, o conteúdo da biblioteca gnóstica, descoberta na década de 1940, em Nag Hammadi ou Chenoboskion, no Egito, parece confirmar que não existia ainda o conceito de gnóstico de um reostdentor celestial, quando começou o movimento cristão. Ao que parece, os gnósticos tomaram por empréstimo do cristianismo, em data posterior, a doutrina de um redentor celeste. No primeiro século, o gnosticismo era ainda um agregado de concepções religiosas frouxamente ligado, e não um sistema doutrinário altamente organizado.
  Os entendidos no assunto estavam se voltando para formas filosóficas mais puras. O epicurismo pensava ser os prazeres (não necessariamente de ordem sensual) o sumo bem da vida. O estoicismo ensinava a aceitação racional da própria sorte, determinada por uma Razão impessoal, que governaria o universo e da qual todos os homens fazem parte, é dever do homem.Os cínicos, antigas contrapartes dos modernos “hippies”, reputavam a virtude suprema como se fora uma vida simples e sem convenções, rejeitando a busca popular pelo conforto, pelas riquezas e pelo prestigio social. Os céticos, tendo abandonado em seu relativismo toda esperança de qualquer coisa em termos absolutos, sucumbiam ante a duvida e a conformidade para com costumes prevalescentes. Essas e outras filosofias, entretanto, não determinavam as vidas de um grande numero de pessoas. De modo geral, as superstições e o sincretismo caracterizavam as massas, pelo que também o cristianismo teve de penetrar numa sociedade religiosa e filosoficamente confusa. A antiga confiança dos primeiros gregos desaparecera. O enigmático universo desafiava a compreensão. A filosofia não obtivera êxito em fornecer respostas satisfatórias. Outro tanto sucedera às religiões tradicionais. Os homens se sentiam inermes ante a sorte ditada pelas estrelas, as quais eram consideradas seres angelicos-demoniacos. Prevalecia uma atitude de desespero, ou, pelo menos, de pessimismo.



¹ Ver J. G. Machen, The Origin of Paul’s Religion ( Grand Rapids: Eerdmans. 1947), caps. vi e vii; J. S. Stewart, A man in Christ (Nova Iorque :Harper, n.d.) págs. 64 – 80.

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